quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

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Prostrado num chão cheio de sal,
Olhando essa casa lá ao longe
Erguida mesmo muito rente ao abismo,
Sei que estou só e, simplesmente, não sei estar só.
Por isso cismo em ver-te chegar de lá;
Dessa casa poisada no abismo.

Apoiada numa vara pouco torta
(Mas que direita, em rigor, também não é),
Vens-te chegando um pé ante outro pé
(Apenas porque não há modo de andar
Que esse não seja).
E enquanto o mar revolto me arrefece e beija,
Vejo-te chegar de lá por sobre o ar
Dessa casa poisada no abismo;
Esse sim, em rigor, por endireitar.

Vês-me sofrer, vens-me sofrer,
Talvez matar…
De um amor que é como o sal debaixo dos joelhos,
Que é como a areia que me erode os trapos velhos
E que se acumula nas minhas miudezas,
Nas minhas ideias de casas de princesas,
Nas minhas marés que me racham toda a face.
Serei eu pedra ou talvez o túmulo onde passe
O navegador que venha dobrar o meu assombro…
Ou local que marque o sítio onde, sobre o ombro,
A tua casa assenta no meu olhar abismado e, sempre rente,
Só não cai porque eu estou cá constantemente…

Certamente batido por outras ondas de água igual…
Lembro-me de todas elas e do ritual que repetiram
Até que o tapete rochoso que cruamente repeliram
Fosse o ar que faz sentido nesse abismo que é tua casa.

Fecha-me os olhos para que te possas partir;
Que o meu tempo atrasa o teu tempo de morrer.
Vamos atrasados para onde temos de ir.
E, faltando o chão, havemos de voar
Ou de cair
Entre bocados segurados com o olhar.


Rafael Cardoso Oliveira

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