quarta-feira, 12 de março de 2008

Soneto Aparente

Há dedicatórias a ser feitas, senhoras e senhores, há motivos para o canto,
Há morte em tudo, há em tudo este choro desfeito e cheiro a podridão,
E por isso se devem dobrar os versos na força, na inteligência, na agressão,
Por que não se note neles a pena, o vómito das futilidades, o desencanto…

Há que, nesta simplicidade avorrecida, centenária e esbatida que alevanto,
Fazer soar o som da guerra e o som que arrepie as almas e as faça tremer,
Vejo tudo envolto em aparências, sem integridade, em mentiras p’ra parecer
Bem, por ser mais forte no seu fumo, ser mais que o NADA QUE se É sob esse manto!

Eu já não posso, é isto que me mata no mundo, a beleza das palavras que todos invocam
Mas que quase ninguém vive, ninguém aplica, que todos esquecem ou deixam passar,
A esses, presos nas formas, presos ao que não são mas lhes foi dado, nunca os deuses [tocam.

Não seria tudo mais certo se assumissem o seu eu como o que querem, tanto, aparentar?
Não se aguenta o fedor dessa gente, as suas existências linearmente podres que provocam
O meu nojo! É este mundo, que vejo adorado e adulado, que me faz, mais que tudo, [vomitar!

Regurgitar as vísceras de mim! Eu QUERO que a complexidade se note, que este [extravasar
Abafe o canto das sereias tão mais belo e tão mais perdido e sitibundo, sequioso desse ar
De aparências que (se) consomem, pelo parecer volúvel de metade de meio Homem.
Só quero, senhoras e senhores, negar….e negar-me ao pão de fome que estes comem!

Rafael Cardoso Oliveira


Citação crítica:
"No mais, Musa, no mais que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dhua austera, apagada e vil tristeza."
"Os Lusíadas" Canto X, Luis de Camões


Há quem mereça...
Frihet