Porque nem todos temos de rimar ao fim.
Oferta
Dou-te trinta motivos para chorar,
Cento e quarenta e duas cartas de amor e de penúria,
Um jarro de minha avó sem flores,
E minha boca inteira com luxúria
Beijando-te a fronte treze vezes.
Dou-te um sorriso fresco mas fingido,
Um riso fraco mas florido
Das sete flores que o jarro ora teria.
Dou-te três grinaldas que façam soar a cotovia
E a sensação de meia vitória de um dia vulgar.
Dou-te vinte e oito batimentos mais do que o normal
E a natural sensação de enfartamento
Dos apaixonados sem sentido ou sentimento…
Dou-te um beijo perto do ouvido que te arrepie
E ensurdeça durante um único segundo
Nesse momento, prometerei: vou dar-te o mundo.
Dou-te a minha esfera armilar para brincares
E os meus sete castelos, todos para os usares
Cada um num dia diferente.
Dou-te esta rua toda cheia de tanta, tanta gente
E o planalto ao fundo sem ninguém.
Dou-te a valentia de meu pai e a maresia de minha mãe
E a indecência das trezentas e sessenta e duas palavras
deste poema.
Dou-te a minha vontade nos dias quebrados e este problema
Que é levantar do chão esta poesia.
Dou-te trinta canções de amor e mais daria
Se mais canções houvesse tão bonitas.
Dou-te os meus dez dedos e as horas aflitas em que param
E que duram a vida toda quando duram.
Dou-te quatorze pistolas que não disparam
Senão bandeiras, mentiras, disparates,
E os dois anéis que comprei com o dinheiro dos biscates
Que, sendo tolo, fiz por ti.
E, no meio das palavras, dou-te cem espaços, cem nadas
Para preencheres com os teus passos e as ousadas
Curvas que o teu corpo dá de madrugada.
Dou-te uma respiração soluçada, mas sincera,
E que são todas as esperas em que me sento e te olho só.
Dou-te tudo o que há de bom nesta Primavera
E o que há de menos bom no meu coração…
Os trinta motivos maus do meu coração.
E esperamos, juntos, que chegue o Verão.
Assim espero.
Porque te ofereço tudo o que demais tenho
As tantas, tantas coisas que mais quero
Mas que não são o que eu quero mais.
Rafael Cardoso
Oliveira