sábado, 25 de julho de 2009

Dulcineia

Parando agora este lento requiem por um momento, só para um poema pequeno. É como a pausa de um qualquer sacerdote para uma bolacha de pão e um cálice de vinho; se têm os homens tão de deus essa liberdade, também a terei eu aqui, que sou a forma mais perto da deidade que este lugar conhece.

Dulcineia

Escrever-te três linhas é pecado, é heresia,
Quisera algum deus (o teu) saber-te o fado
E, penso eu, nunca o saberia.
De ti a ti só vem esp'rança e fantasia, passa-te'ao lado
A cobardia do Homem normal e não tão forte,
Quisera algum deus (dos homens todos) saber-te o fado
E ter-te-ia enviado um teu Quixote.

Rafael Cardoso Oliveira

Citação a Dulcineia:

Dulcineia

Quem és não importa, nem conheces
O sonho em que nasceu a tua face:
Cristal vazio e mudo.
Do sangue de Quixote te alimentas,
Da alma que nele morre é que recebes
A força de seres tudo.

José Saramago, Os Poemas Possíveis

Por razões óbvias queria evitar as comparações inevitáveis entre os dois poemas, até porque o do Sr. Saramago é merecedor de muito mais atenção e mérito, pela profundidade com que caracteriza Dulcineia. O meu poema é meramente descritivo, é como um resquício do que ficou em mim dos Poemas Possíveis, e que tinha de escrever para não condenar melhores e maiores poemas à desgraça do plágio ou, pior que essa, à desgraça da influência. A influência torna a poesia, e a prosa, confusas; perdem a qualidade de serem espontâneas, puras e originais. A influência depressa desaparece quando se é influenciado por outras coisas, não há, portanto, o estado puro de escrita de que falei, mas penso que era uma ideia gira.

Um outro aspecto que me intriga é que o corrector automático de ortografia e gramática desta coisa, exige que eu corrija deus para Deus. É esta a altura em que os ateus e os agnósticos começam a fugir, que é engraçado como Deus está realmente em toda a parte. Para quem não deu conta, estou a ser irónico. E 'coisa' é das palavras mais usadas em latim (res).

É a Hora.