quarta-feira, 20 de julho de 2016

Santo Suicidáro


Tem pena de mim.
Abraça-me com os teus olhos bravos e, por favor,
Entre os alarves, os cónegos, os bichos e os profetas,
Tem pena de mim.
Ama-me com as mãos abertas que escreveram palavras erradas.
Com as mesmas mãos sujas e agora despegadas do peito
Onde guardavas e guardas, numa prisão sem guardas,
O teu gélido conceito de amor.
Tem pena de mim, por favor.

Tem-me pena por não ter sido mais nem menos
Do que o ter repetido os ditames que me foram ditados,
Os ditongos ensaiados até à loucura e ao amor e à exaustão,
Os perdões multiplicados e os pães divididos por filhos esfaimados
Como cães que, em verdade, parece que são.
Parece que somos assim.
Acontece-nos o sermos assim.
Aconteceu-nos o fim do mundo e, sem darmos conta,
Servimo-nos da luz destas labaredas infernais
Por medo absurdo da treva.
Andamos loucos guiando cegos e cegos cegando loucos,
Ungindo cruzes na testa e estrelas no coração dos olhos.
E somos sempre poucos.
E estamos sempre roucos.
E a nossa voz é sempre certa.

Tem pena de mim cujo corpo não importa,
E que se atira para esta porta aberta do abismo
Enfrentando o chão com tal maquinal maniqueísmo
Que é a ilusão de escolher o fim que me conforta.
Bate-me tu essa porta na cara, se achares por bem,
Mas vê se, entre o meu não crer e o teu amém,
Não serei eu que quero estar do meu lado de fora.

Agora salto por ti também.
Só(,) agora.


Rafael Cardoso Oliveira

terça-feira, 5 de julho de 2016

Pathos

Ao viajante.


Pathos

Se te estender uma mão mas te ocultar o coração
Que sentirás?
Terás da ajuda que te dão o que procuras?
Procurarás a emoção para a encontrar racionada,
Racionalizada, raciocinada e empacotada
Junto de tantos outros males
E de outras curas?

Há mal em perder caminho e aventuras?
Há mal em ter caminho e arrepiá-lo?
Mal maior será ter tempo sem ter tempo
Para dá-lo sofregamente a quem padece,
A quem sofre de menos tempo que este tempo
E da menor benesse
De um céu qualquer
Ou do inferno fulgurante que amanhece.

Acontece-me esquecer que tenho duas mãos para dar.
E perco tanto, tanto tempo em juras e remorsos
Que só me escondem o coração, e os meus ossos
Fazem brilhar como se não fossem os teus ossos também.
Perco mais tempo a deixar ir aquém e além quem não sabe andar,
A masturbar o intelecto ou o objecto dos dias em que, cego,
Me nego a perceber e a aceitar que sou eu que consumo
Estas curas de que nem Maquiavel nu se lembraria.
E talvez pie - talvez não pie – uma piedosa cotovia
Que, cruel, debique, qual águia-real descendo a pique,
As mãos e o coração que pus nos bolsos, neste dia.

E por si pia.

Rafael Cardoso Oliveira