Naquele tempo da tecnologia inexistente, em que Jesus pregava em terras de Nazaré, não havia, como por certo sabem, telemóveis. Tem esta afirmação toda a preponderância; é toda ela uma máxima indissolúvel de razão e todo o mote deste post que se vai, pacientemente, estendendo. Jesus não possuía telemóvel. A todos quantos mui pacientemente vão seguindo esta pequena dissertação sobre a tecnologia nos tempos idos do filho do altíssimo, seja esse altíssimo quem for, rogo-vos um pouco mais de paciência ainda. O suspense é uma daquelas características essenciais num post da dimensão do que se avizinha, principalmente quando não há, quanto à temática, muito a dizer. Nesse supradito tempo ido, Jesus espalhava a palavra do senhor, o amor ao próximo e a paz e tem isto tudo a ver com o tema que me traz aqui, neste dia 22 de Novembro do ano da graça de 2009. Antes de mais, note-se a profunda referência encapuzada ao romance do senhor Camilo, o Castelo Branco, no título deste post, algo propositado mas inócuo em toda a sua extensão para o assunto sobre o qual venho discorrendo; há ressalvas que devem sempre fazer-se.
(Dar-se-á agora o que parece ser uma mudança de assunto completamente desconexa que apanhará o público desprevenido, ou melhor, e como popularmente se diz, com as calças na mão ou com a famosa boca na botija, expressões de uma beleza tal que não é possível deixá-las conscientemente de fora de uma didascália deste calibre. Luz forte sobre as primeiras linhas.)
Estava eu, na imensidão de tempo que tenho à minha disposição, sossegadamente a ler mensagens e a enviar umas quantas, passatempo pelo qual não nutro qualquer tipo de interesse particular, leia-se, interesse igual àquele que o comum dos mortais nutre, quando me deparo com uma secção do menu de Mensagens que me vem surpreender com o facto de eu ter Items Gravados, items esses que consistem de 11 modelos de mensagem. Até aqui tudo bem, parece-me razoável e até amável por parte da empresa de software do meu telemóvel querer poupar-me ao trabalho de escrever mensagens que só me fatigariam mental e fisicamente, acho que eles são mesmo o que o mundo designa, mui comummente, das pessoas das quais se diz "aquela pessoa é muito humana"; definição ou ideia que, se formos a esmiuçar, não faz qualquer tipo de sentido, a não ser que se assuma por oposto de humano o "cínico" que se refere a, como sabem, cão. Aquela pessoa ser muito humana é um facto que, parecendo que não, é bastante banal e se se assume por humanidade uma qualquer qualidade que faz das pessoas mais altruístas e caridosas, bem se pode dizer que isso não é a definição de humanidade, simplesmente porque a humanidade não é caridosa ou altruísta. É um paradoxo engraçado, na realidade todas as pessoas são extremamente "humanas" simplesmente porque somos, na generalidade, uns cabrões ímpares, cada um à sua maneira, daí o ímpares. Qualquer referência que nos equipare mais aos suínos ou aos cães me parece mais ajustada, enquanto animais que somos, e por nunca chegarmos a atingir o estado tão bonito e utópico de Humanidade. A humanidade é assim, há que engoli-lo.
Mas voltando à temática que aqui me trouxe e deixando o drama, 11 modelos de mensagem; Nada há como explorá-los! São eles:
"Estou atrasado. Chego às"
"Estou em reunião. Telefono às"
"Agora estou ocupado. Telefono mais tarde."
"Chegarei às"
"Reunião cancelada."
"Vejo-o às"
"Vejo-o dentro de"
"Telefonar"
"Parabéns."
"Obrigado."
"Também te amo."
Espero que já haja alguém tão chocado como eu, tão avassalado por uma destas mensagens como eu. Vamos analisar:
7 destas mensagens são claras referências à vida profissional da pessoa que possuí o telemóvel. Estar ou não estar, marcar ou desmarcar encontros, telefonemas e reuniões parece-me algo que um indivíduo faz durante bastante tempo enquanto funcionário de uma qualquer empresa com situação financeira que se adeqúe a possuir um telemóvel ou mesmo a ter reuniões. E mesmo não sendo esse o caso, poderá ser uma qualquer pessoa um membro de uma sociedade secreta e ter "reuniões" e "encontros" que poderá marcar e desmarcar a seu bel-prazer e com uma celeridade consideravelmente maior devido a estes modelos. E só deus sabe como isso é útil nas sociedades secretas.
A mensagem "Telefonar" faz-me um pouco de confusão. Penso que ninguém, no seu estado de sanidade mental perfeito, envia uma mensagem a uma outra pessoa que começa com um verbo no infinitivo. Simplesmente não faz sentido: "Telefonar ao José para saber se ele vai à caça hoje." Soa muito mais a Lembrete do telemóvel do que a mensagem que alguém envie a alguém, por mais humano que seja ou pareça ser.
Temos depois as mensagens "Obrigado" e "Parabéns" que sem dúvida só dão mostras da educação de uma pessoa e da sua organização para saber quando é que algum dos seus amigos celebra mais uma primavera ou teve algum acontecimento marcante na sua vida. São modelos um pouco inúteis na medida em que é simplesmente mais fácil e rápido escrever toda a mensagem que se segue ao "Obrigado" e ainda mais especificamente ao "Parabéns"; que ninguém me venha dizer que algum dia recebeu uma mensagem simplesmente a dizer "Parabéns" e, caso tenha acontecido, o mais que sinto é pena pelo pobre infeliz a quem tão sórdida sorte veio abençoar.
E somos chegados finalmente ao cerne da questão, ao âmago do horror, ao centro da comichão.
Além de tudo isto, a mensagem "Também de amo" pressupõe que a pessoa venha a receber a mensagem "Amo-te" o que nunca acontecerá caso ninguém ame essa pessoa, como a mais pura lógica indica. Isto só vem acentuar a gravidade da questão! Quer dizer que a Dona Lurdes, solteirona, que nunca viu, mas sempre pensou e ansiou ver um homem do qual gostasse a fazer coisas marotas com ela, se chegar a comprar, um dia, um telemóvel destes com o que foi "ajuntando" do pouco que o salário da fábrica de sardinhas enlatadas em molho de escabeche lhe permite, e se chegar a explorar esta pequena pasta de mensagens modelo, sentir-se-á imensamente frustrada por nunca ter tido ninguém que a amasse à conta daquele furúnculo estranho que ela tem na orelha direita! Está Dona Lurdes muito agastada psicologicamente e ainda lhe cai mais esta em cima, o não ser amada. Nunca ninguém lhe enviará uma mensagem a dizer "Amo-te" e aquela mensagem modelo ficará perdida dos anais da (sua) história. Prepara-se Dona Lurdes para por o baraço à volta do pescoço e pendurar-se por um ramo da macieira da sua humilde casa de modo a acabar com a sua triste existência, até que eu a paro e a mato instantaneamente com palavras que vos dirão "Lurdes jaz aqui, no pó vocabular". Deve-se esta paragem não à bondade da minha alma mas mais à agudeza da minha pena que vos quer livrar da imagem de Lurdes a tentar, infrutiferamente, pôr termo à sua imaginada existência acabando estatelada no chão, frustrada porque o galho não aguentou os seus meros 104 quilogramas e um furúnculo de brevíssima existência escrita.
Tal como Lurdes, muitas pessoas nunca poderão utilizar essa mensagem e, se se pôde , em tempos, processar o McDonalds por apenas oferecer comida de qualidade tal que fosse nefasta para todos os seus inocente e iludidos consumidores e ganhar o processo, também será possível processar esta companhia de software por danos psicológicos severos causados a todos os mal-amados descobridores dessa mensagem "Também te amo". Uma indemnização no valor de todas as vezes quantas essa mensagem modelo não será enviada, num tempo de paixão ardente e fogosa, é o mínimo que um indivíduo pode pedir. Sendo o Amor esse fenómeno tão de hormonas quanto pensamos que é de emoções, muitas seriam essas mensagens que, num tarifário barato, a 12 cêntimos por mensagem, e numa época de muita e tresloucada paixão (300 mensagens de amor/ dia) se enviariam. Daria uma fortuna de fazer inveja ao Patinhas, com todo o respeito que por ele mantenho.
E quem me diz a mim que não foi assim que metade do mundo que pensamos controlar o negócio do petróleo enriqueceu? Sim, isto porque por lá (refiro-me ao mundo islâmico) as paixões podem ser várias ao mesmo tempo, como é sabido, e enviar a mensagem "Também te amo" a apenas uma das 7 esposas seria mais um motivo para originar quezílias desnecessárias na família! Quantas vidas e lares o amor predefinido já não terá destruído, meus caros?
E é chegada finalmente a altura de relacionar isto com o início do post:
Jesus não ia querer isto...
Citação de Revolta:
I sound my barbaric YAWP over the roofs of the world."