domingo, 6 de abril de 2014

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Sem revisões, sem outras ideias. Despreparadamente.

Há dias em que quero chorar o mundo.
Plácida, estupida e vilmente chorá-lo…
A ver se as coisas que são e que tenho de olhar todos os dias
Continuam a sê-lo, na maré das minhas lágrimas,
Na solidão dos ventos que são os meus suspiros.

Olho a esfera armilar, que é brasão do meu país,
E está vazia. Ninguém sabe o que ela é.
Tiraram-lhe os significados que me ensinaram um dia,
Ou então mentiram-me sobre esses significados.

Hoje é um dia para chorar o mundo todo.
Fosse eu apenas mais um destes tantos exilados…
Exilados por seu próprio pé…
Desvio discursivo das suas vidas que não importam,
Porque nada importa quando se está a limpar a casa.

Olho de novo a bandeira de minha mulher e já não é vermelha…
Nem verde e a esfera armilar continua despolida e vazia,
Tudo o que nela assentava se foi, nos filhos que já não são.

Vejo o João carregando um castelo em suas costas,
E a Maria com uma das Chagas do cristo.
O António leva consigo algum do verde para não sentir saudades,
E a Matilde as matizes mais bonitas do encarnado dos nossos avós.
O Rui achou por bem não levar nada; já havia pouco que levar, pensou…
Entretanto passa o José com outra chaga encostada ao peito.

Tudo isto, o fazem para não ter saudade…e assim levam a saudade também.
Apetece-me chorar Portugal, que é de mim?
Vejo o último e mais velho de nós encostado à bandeira vazia,
Olhando o mar enquanto nos olhos lhe brilha uma cotovia,
E nos ouvidos, já cansados, ouve os pregões do mercado perto.

Ouve a mesma música que o libertou há uns anos num poema incerto,
Que nunca percebeu mas achou lindo de ouvir.
No seu peito brotam cravos como num chão árido e deserto,
E dos seus olhos saem as tágides todas num clarão que ninguém vê.

É o pai de todos os que saem e nem sequer sabe.
Está encostado ao seu banco de madeira decadente,
Tão infeliz como contente, tão petiz como constantemente
Velho e senil e português e preso ao seu chão de mar.

Segura nas mãos a esfera armilar e puxa o pouco brilho que não tem pra si.
Depois a coloca, numa reza, entre as duas cores que foram o pais que conheceu…
Entretanto que lhe pare o peito não lhe importa, descobriu-se e não morreu.
Morre é sempre um pouco quando alguém lhe pergunta de onde é
E que brinquedo é aquele que ele limpa, que trapo é aquele que ele guarda…

O velho que não sabe nada é pai de todos os que saem e eles o sabem,
Mas não podem ficar, não conseguem ficar.
Por isso, Portugal, quero chorar.

Rafael Cardoso Oliveira