domingo, 18 de janeiro de 2015

O poema dominical

Próprio para consumo, e com o relato curto das últimas publicações. Entretenham-se.

O poema dominical

Irmãos,
Naquele tempo - que, até ver, é este - disse Jesus,
Co’a voz pesada e compassada que era de si:
“Nenhum poema há de pregar-se nesta cruz
Nenhum verso há-de morrer aqui.
Preguem-se os homens, as deidades, as ideias,
As cousas feias. Jamais se prenda a luz!
E maldito seja o blasfemo que o negue:
Que os homens o não escutem e deus o pregue!”

E, como hóstia divina aos céus entregue,
Endereçou, o filho pródigo, a maldição:
Aos ouvintes que não sabiam o que falava,
Ao povo que só lhe pedia peixe e pão.
E ignorantes, compuseram, em segredo,
A oração de quem não sabe e, só, tem medo:

“Pai nosso, que não sabemos onde estás,
Santificado seja o vosso nome.
Venha a nós o vosso reino, que o rapaz
Que é vosso filho diz que lá ninguém tem fome.
Seja feita a nossa vontade… (Ou saciada, que é igual)
Antes de morrer e, se puder ser, depois um dia.
E livrai-nos do mal e dai-nos peixe, leite, azeite e sal
Que p’ra comer só há pão nosso de poesia.”

Rafael Cardoso Oliveira

"Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada,

mas não digas nada que eu estou a salvo." - Livro das Invenções

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Catatuas Catatónicas

Sem mais de momento. Para os pacientes:


Libertação ou o poema catártico das catatuas catatónicas

Voam, sobre mim, duas catatuas catatónicas.
São duas.
Não convirá serem mais que duas, para fins de poesia.
São brancas e bonitas, de cristas amareladas
Ricas e educadas.
Pairam, mas estão aflitas por ir embora.
Esbracejariam, se braços tivessem.
Vociferariam, se eu lhes desse uma voz.
Mas não dou. Este poema é meu
E vai só aonde eu lhe permitir.

Voam, sobre mim, duas catatuas catatónicas.
São três.
Três da manhã, entenda-se, o surrealismo tem o revés
De não poder trocar os pés pelas mães.
Pelo menos não sem avisar.
Não! A não ser para deixar de calças na mão o incauto leitor
Que, contando ler o que é normal e real,
Esqueceu que este poema é meu
E só vai aonde eu lhe permitir.

Voam, sobre mim, duas catatuas catatónicas.
São parte importante deste poema catártico.
E, se me fartar delas, pelo bem do clímax dramático,
Hão de sair com o estrondo de um canhão
E deixar, em seu lugar, minha nação.
Toda florida. Toda sorrindo.
Toda uma ilusão…
Toda cheia de belezas, num poema de incertezas.

Mas ainda voam, sobre mim, duas catatuas catatónicas,
Cativas neste cativeiro cruel, e de um calhorda,
À espera que se delas faça açorda
Ou que delas não se faça nada!
Que voem neste seu voo de coisa paralisada
Que o leitor as imagine como minha coroa dourada,
Minha beleza criada só para enfeitar,
Meu bocado de poesia endiabrada,
Minhas palavras que puxam a imaginação.

E hão de rodar sobre mim! Rodarão como as hélices e os moinhos.
Hão de viver aqui até eu deixar azedar todos os vinhos
Que criarei só para manter e embriaguez desta poesia.
Hão de deixar a vida e continuar voando mortas
Presas como marionetas, como coisas tortas que serão,
Como dois seres estropiados e escangalhados
Só por terem vivido tempo demais neste papel
Ou sem haver qualquer razão.


E eu, dono cruel, continuarei nesta limpeza
De mim.
Usarei as palavras que não têm outro fim,
E que às vezes guardo só por inútil avareza.
Usarei da mesma destreza que usei
Para prender duas aves tão inocentes,
Para prender também as mentes
Num poema sem razões,
Sem coerência,
Sem interpretações que, morrendo eu,
Lhe darão mil cabeças que não a minha.
Este poema é meu e não da minha vizinha,
Não do meu tio, não do meu pai ou de minha mãe
E nem de meu irmão é. Sem todos eles passa bem.
E vai só aonde eu lhe permitir.

Este poema é meu, e vai só aonde eu lhe permitir.
Este poema sou eu, e vou, só, aonde me permitir.

Este poema é meu, apesar de a poesia não ser.
Este poema ainda vai estar cá quando eu morrer.
Este poema não tem catatuas porque eu já não quero!
Como infante infeliz, como um príncipe austero
Que manda só porque gosta de mandar.
E, por tudo isto, por ser demasiado livre,
Tem este poema de acabar.
Tenho, neste poema, de acabar.
Por ser meu, por ser eu, por existir
E ir, só, aonde eu me permitir.

Vou findando. Vou fundando. Vou voar.
Rafael Cardoso Oliveira
sem citações

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Comunicado

Se fizesse diferença a alguém, dir-se-ia que estamos em 2015. Como a única diferença que faz é no dia que já passou - porque todos o vimos passar -, sigamos, só, em frente.

Comunicado

Hoje, o poeta pediu para informar que está ausente;
Que não há nada de muito premente ou importante
Ou que brilhe mais do que o que é constante,
E que, por tal, valha a pena poetizar.

Assim, vem este pequeno trecho de enfado
Desejar a todos quanto o lêem o bom bocado
De não terem trabalho nenhum.
Este comunicado é bom e acertado
E maldito seja quem nele vir mais do que nele há.
É só um comunicado comum.

Deixou-me, o próprio poeta, ainda, a seguinte mensagem:
“O fogo-de-artifício das palavras está extinto
Para não dar que fazer a quem pensa.”
Em P.S.: Diz ter, sobre a mesa, uma garrafa de vinho tinto
E a vaga sensação de humanidade que, há muito, não tinha.

Ou talvez seja humidade. Lê-se mal a última linha.

Rafael Cardoso Oliveira


"Beauty is truth, truth beauty - that is all
Ye know on earth, and all ye need to know."
John Keats em "Ode on a Grecian Urn"