O segundo tópico da ordem de trabalhos de hoje é: o mais recente, e por sinal inútil, acréscimo a este blogue. O Séquito do 678. Pois bem, eu adoro contadores. Adoro números e todas as coisas giras que eles revelam; gosto mais de palavras, mas, ainda assim, não se pode fazer sudoku com palavras (não me venham com sopas de letras e palavras cruzadas), simplesmente não se pode.
Bom, acho extrema piada à noção de ter, mais que um séquito, um séquito de suicidas que ainda dispõem de tempo para ler este tipo de inutilidades e que, ainda pior, de facto dispendem o , sublinhe-se, seu tempo a fazê-lo. Eu agradeceria, mas isso implicava ser uma pessoa decente. Isto tudo claro sem contar os que eu obrigo, naturalmente, a ler isto; esses não contam, estão ao abrigo do artigo 14.
Bom mas já chega de conversa fiada, porque certamente a vossa vida não é isto, tal como a minha não é. O problema é que eu aqui ainda me divirto enquanto que vocês dificilmente o fazem, digo eu (não é que o deseje). Mas admitam lá que gostaram do Champô e Amaciador, foi uma daquelas inspirações que só se tem uma vez. Uma epifania.
Aqui vai o poema de hoje.
Manual
Eu sou um técnico de palavras.
Não simplesmente por sê-lo,
Mas porque sei não ser além disso.
No ofício que exerço sou um despreparado,
Sempre um passo à frente, ou talvez ao lado
De cada poema que não faço, mas vejo fazê-lo.
Eu sou um técnico de palavras.
E isto soa a uma variação inútil de um verso tão maior,
Um plagio fútil de alguém que molda com cada mão,
Feito oleiro habilidoso por impulso mais que por condição,
O barro molhado que as palavras não são. E não,
Não é essa uma prova de mestria de quem transforma,
Feito alquimista, por alguma fórmula maestra ou negra forma,
O barro, ou as palavras, naquilo que elas não são de verdade.
É antes prova de quanta inutilidade e imprecisão é um homem capaz;
Que numa idiotice mental, ainda que audaz, compara a ficção
(do homem que molda barro em cada mão) com a realidade.
Eu sou só um técnico de palavras.
Delas não sei as leituras nem a sua metalinguística,
Metafísica, química, osmose, propagação ou sinergia artística.
Eu desconheço o que elas fazem, e apenas sei trocar-lhes as voltas
E a ordenação, como cabos de aço e cobre sob extrema tensão
Que eu vou esticando, com força sobre-humana, até a ruptura…
Ou iluminação…
Eu sou um técnico de palavras.
E daí que as esculturas que componho com elas sejam todas isto.
Isto, este nada, que até parece qualquer coisa, já tão visto,
Já tão gasto, já tão cheio de orgasmos metálicos, tão aparentemente forte…
E pudera bastar-me isso, mas eu não me basto, não me farto, e a cada corte
Que os ares de poesia, vítreos e espectrais, me infligem eu rio e peço mais.
Quero, tomado de loucura e fantasia, perder o norte e as noções normais
Para ter a doença que tanto impulsiona o não querer qualquer cura!
O que impele um homem a dores, a tonturas paradoxais a cada laceração!
O mundo precisa de técnicos. (Eu sou um técnico de palavras.)
A poesia não.
Rafael Cardoso Oliveira
Citação de Regulamento:
Artigo 14: "Aqui quem manda sou eu."
678
Uma coisa de que gosto bastante: comentários. Isto é sério. Este blogue é todo preto em si, só não ponho as letras a preto também porque seria o único a divertir-me, mas eu agradeço qualquer comentário. Afinal de contas, os comentários entretêm-me. Compreendam, estou acostumado às ofuscantes luzes da ribalta.