terça-feira, 12 de novembro de 2013

Em frente


Sem agravo nem apelo. Em frente.


O Bobo

Os dias de minh’alma chorosa e pequenina
São todos quantos cai de si Senhora nossa.
Os dias em que desce à terra de nós todos
E ouve as cançonetas que nós costumamos cantar.
Os dias em que escuta o céu aberto e vê o mar
E os rios sem fim, que lhe escondem todas as caras.

Os dias de minh’alma pequenina correm lestos,
Entre os gestos frustres que me olham na lonjura…
Que de tão parvo que sou, vêem-me a cura…
Vêem, no meu ser minúsculo, um espelho,
Altivo(,) velho(,) inverso(,) esguio e traiçoeiro
De grandura.

Os dias de minh’alma só chorosa os não quero(!)
(Quer dizer… não os posso não querer, porque nos não dão
A escolher sequer o pão nosso de cada dia.)

Hoje olho minha Senhora e está vazia
Do seu brilho singular de mulher feia e mulher fria,
Do gelo árido que tem nas mãos de morte fiandeira.

Hoje o dia foi bom, e fui contente,
Pois que a máscara que hoje usei p’ra toda a gente
(Que nela vê a cura que só as máscaras e as más caras dão..)
Funcionou (!) e toda a gente viu…
Hoje, como sempre,
Nos dias de minh’alma chorosa e pequenina,
Fingi e menti-me,
mas Ela riu.

Rafael Cardoso Oliveira

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

"Podeis sentar-vos um bocadinho"


Eis uma bela didascália que o pároco da paróquia a que eu julgava que ia insistia em ler... Mau actor, o senhor (ou deverá dizer-se: "Mau actor, o Senhor"?). Ainda assim é mais que apropriada para título desta peça e para sair para sempre das ruas da escuridão rumo às travessas da pouca luz. Não me podem acusar de não ter tentado.


Dulcineia embriagada

Olha p’ra mim hoje, encara-me.
Escancara o teu abraço e dá-me um beijo;
Acende os copos com vinho maduro
E corta o melhor queijo que comprei.
Sê a sede que tenho em não te ter perto
E a pena certa de que não vais voltar.

Hoje abri o frigorífico procurando-te.
Queria ver onde te escondias. Queria…
Malditos dias em que apareces, maldito dia
O de hoje e aqueles em que sempre me ofereces
As frutas maduras de um amor que já passou.

E te procurei no chão do quarto e no ralo da banheira
Não estavas lá e, se me lembro bem da bebedeira,
Foi como se estivesses de lá soprando rosas e perfumes…
Sempre. Noite fora.
Procurei-te nas ondas do mar de canja que comi,
Em todo o frango que afoguei em vinagre a pensar em ti,
Em todas as barbaridades poéticas que escrevi,
Em todas as estocadas imaginadas que dei p’ra que acordasse.

De todas a mais fugaz, luz marinheira
Dos faróis, que em seis raios de fulgura passageira
Te ocultam em quadrantes de escuridão.

Rodam os seus braços de cega luz paralisante.
E, enquanto te procuro no sofá, há lá fora um grão gigante
Rodando os braços p’ra Cervantes num dragão.

Rafael Cardoso Oliveira


Esperei mais que o próprio Cristo para voltar à vida disto. Não o tomeis por maldade ou presunção. A presunção basta.