quinta-feira, 31 de julho de 2014

Mais dia, menos dia


Para ontem

Estico esta corda só um pouco mais.
Vejo-lhe os nós (e, às vezes, nós).
Vejo-me a sós.
Sinto-lhe a força e a fraqueza.
Que, de marujo bem treinado
Ou de bruxo manietado,
Não tenho senão a percepção…
Não tenho senão a ideia e a certeza
De não saber fazer o que eles fazem.

Estico esta corda só um pouco mais
E sinto-lhe os veios, descubro-a de novo.
Sinto que é a força que agarra todo um povo
Quando esse se não distrai a jogar um jogo qualquer…
Jogo da corda, por ventura, em que cada mulher,
Gritando entre mil puxões e repelões,
É mais forte que os homens rezingões
Que se melindram, e não puxam mais.
E anda assim o povo todo a repuxar-se
A aturar-se, a maltratar-se e a mudar-se
Porque a corda não chega p’ra si e p’rós demais.

Estico esta corda um pouco mais
E descubro que não chega p’ra meus filhos.
Por isso comprei meia dúzia de foguetes
(Coisa de feira e incapaz de correr bem);
Sei que lhes darão melhor serviço
Que a alegria pouca p’ra que serviriam
Se algum dia de alegria fossem feitos.
Podres rebentamentos de alegres preconceitos
Em que é suposto ser-se alegre na explosão
De uns carmins e uns verdes pouco atreitos
A pintar esta tristeza de nação.

Estico esta corda um pouco mais
E vejo que quase nem chega para mim…
Meu baraço invejado, meu caminho de fim
Para o pais sem fim/sem mim que sonhei vir ver um dia.
Que se rebentem todos estes foguetes de fingida alegria
Enquanto eu saltar deste cadafalso que é um madeiro
Corroído, puído, usado vezes e vezes e o verdadeiro
Fim de quem já nem fim almeja.

Se Portugal é um bolo, seja eu sua cereja.

Rafael Cardoso Oliveira

"O Homem que diz "dou" não dá, porque quem dá mesmo não diz."

domingo, 27 de julho de 2014

Para amanhã

Sem mais que diga, vou andando e adiando.

Um tema gasto

Amanhã serei.

Serei até melhor do que o que prometo
E, apesar do mote ser gasto, só mesmo amanhã o farei.
Nem sequer será depois de amanhã!
Amanhã mesmo, por mais nefasto que seja
O que só amanhã saberei dizer.

Hoje amanho o que amanhã não amanharei…
ou talvez venha a amanhar (não sei) daqui os frutos:
Os versos certos e medidos e brutos
e embrutecidos e perdidos e com sentido.
Mas só amanhã. Pois hoje, dissolvido neste desejo,
Nesta âncora que é o presente ser passado amanhã,
Não colho coisa nenhuma. Amanho hoje, amanhã se verá.

Cai como seda este poema, como uma pedra de seda.
Ou cai como uma velha sem sutiã do alto do Cristo Redentor
Para morrer redonda num clamor violeta;
Amparada na fé que ontem tinha que o senhor (ou o capeta)
Amanharia a sua vida ou ampararia seu caminho.
Pobre coitada… tivesse saltado amanhã e estaria salva!
O braço da gigante estátua a colheria;
Um pássaro enorme voaria e a salvaria;
Uma luz qualquer lhe douraria o rosto e ela
Não se espatifaria como a ameixa mais carnuda
Caída, despida e desnuda e não explodiria…
Sobretudo não explodiria.

Mas o seu senhor anda longe destas sendas,
E, se deixou para amanhã o salvar-se a si,
Podem morrer mil velhas como esta que aqui
Por aqui ou daqui não sairá um pára-quedas que seja.
Amanhã teremos todos os meios para salvar quem deseja
Matar-se de alturas impossíveis. Hoje não.
Hoje nem os poemas se salvam de finar.

Este já está no alto e vai saltar.
Rafael Cardoso Oliveira