sexta-feira, 10 de junho de 2016

Dia de Portugal - Tarde Modesta

Sem tempo para revisões de forma (ou reformas).


Dia de Portugal  - Tarde Modesta

Sentada à mesa farta de cor e farta de falar
Está Sofia, mulher de Baltazar e mulher só.
Farta de cantar ao pó e de contar migalhas,
Pensa da vida como de um conjunto de acendalhas
Demasiado frouxas para lhe dar um qualquer lume.

Sofia subiria até ao mais baixinho cume se as costas não doessem,
Se a vida fosse difícil mas não verdadeiramente insuportável,
Fosse o ar respirável e os seus pulmões inflassem de alegria
E não de lágrimas ante cada tareia e cada dia
Em que sente que, em verdade, a vida é muita areia
Numa praia a que se não conhece o fim ou o fundo.
Sofia gosta do mundo mas gostava mais do mar.
Gosta de ver, de observar mas já não gosta de fazer.
Está gasta de fazer, e Baltazar a faz ver que ser mulher
É eternamente cair e eternamente estar doente.
Eternamente sentir-se de tarde na vida
E saber que se chega sempre tarde ante o telefone que toca,
O arroz que queima, o filho que chora ou o pai que morre.

Sofia viveria numa toca se essa toca se chamasse “outra vida”.
Assim, vive só em Portugal.
Perdida, modesta e desmilinguida.
De galochas fortes mas com a água até ao peito

No pantanal.
Rafael Cardoso Oliveira

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