Mais um. Mais uma vez.
Investida (ou o do perdão poético)
Investida (ou o do perdão poético)
Perdão, nossos pais, se nos desviámos do caminho…
Se perdemos o rumo da poesia porque a olhamos demasiado
perto
E isso nos queimou a retina e a rotina.
Isso ou todo o vinho tinto, ou tonto, por certo,
Que bebemos insaciavelmente para digerir o torpor da
mente,
Para dirigir as palavras como a espada certa que são,
Para tirar o normal tremor do mundo.
Por isto, pedimos perdão.
O homem fecundo na mente e coração é uma besta aborrecida
Que cuida ver melhor tudo o que é vida
Por achar que, para ver as estrelas,
Terá sempre de esquecer o chão.
O deixar o chão é afirmar a matéria e razão que ele é.
O ignorá-lo e esquecê-lo é dar a cosmos a sensação
De que somos tão importantes como o chão.
E não.
Não somos, não.
Nenhum homem vale o chão que pisa ou corre,
A ideia que na mente lhe grassa,
O filho que no ventre lhe morre,
Nenhum poeta vale um verso inteiro
E nenhuma bala aponta certa ao coração.
Nem todas as maçãs são gravidade
E nem todas as musas são verdade.
Nem toda a poesia é torta e só sem luz
E nem toda a porta se abre sempre para Jesus.
Nem todos gostamos de alcaçuz,
Alguns apenas mesmo de Jesus…
Doce por doce, ou mal por mal,
Venha o diabo e escolha,
Deste mundo mundanal, a salvação.
Por isto, pedimos igual perdão.
Perdoem-nos, nossos pais, nossa poesia inquieta.
Esta miopia de quem vê a um palmo das estrelas
E tem de semicerrar os olhos para não cegar.
Perdoem o querer ser demais sem ser muito mais.
O querer usar as palavras todas quando poucas são
precisas.
O gritar e chorar por tantas musas indecisas
Quando bastava chamar por nossa mãe.
Perdoem a nossa arrogância tão bem disfarçada
Entre palavras bonitas e que, tanta vez, não dizem nada.
Também a petulância de vos lermos demasiadas vezes
E, nos entremezes da nossa escrita, vos esquecermos.
Tudo enquanto nos latejam na cabeça
E nos pesam na mão.
Por isto, pedimos mais perdão.
E, no entanto, pesando a pena e o nosso jugo nos cangotes
Saímos neste papel inteiro vociferando vossos motes
Que são os nossos,
Que a pátria nos é igual, por madre nossa.
Portugal, que és pai e mãe de tantos párias,
Ergue-te e ouve também estas lendárias
Palavras de quem já não sabe ser feliz sem poesia!
Que não são meus, nem nossos, nem de ninguém estes
sentidos!
E hão de sussurrar mil bocas em todos os ouvidos
Até que a terra inteira se consuma:
O melhor dos filhos é a sua revolta de inocentes!
A sua vontade velha de fazer a coisa nova!
De rodar as rodas à engrenagem e queimá-la se não presta
E de, todo o dia, fazer poesia melhor que esta.
Nenhum poeta vale um verso inteiro
E há versos que hão de valer minha vida.
E há dias, e não poucos são, que morreria só por um.
Por saber disto e, meus pais, vos dever isto
Perdão,
Mas não peço perdão algum.
Rafael Cardoso
Oliveira
Ite, missa est
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